Whisky

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quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Whisky Japonês

Da terra dos eletrônicos, computadores e carros de alta qualidade, surgem novas oportunidades para o whisky


A história do whisky no Japão adquiriu o brilho de uma lenda de folclore. A chegada de spirits ocidentais no final do século XIX na forma de uma caixa de Old Parr trazida em 1872 pela missão de comércio de Iwakura; a subsequente criação da imitação de spirits estrangeiros em laboratórios japoneses; a fundação da Kotobukiya pelo jovem Shinjiro Tori em 1899; o envio de um jovem estudante de química, Masataka Taketsuro, para Glasgow para estudar química em 1918; a sedução de Taketsuro pela Escócia, seu trabalho como aprendiz na Hazelburn e na Longmorn; sua contratação por Tori-san, que na época selecionava pessoal para a primeira destilaria do Japão dedicada ao whisky em Yamazaki, em 1923; como eles trabalharam juntos e, então, se separaram: Tori fundando a Suntory, Taketsuro fundando a Nikka, que permanecem como os dois pilares da fabricação de whisky no Japão.

Há um pressuposto de que, pelo fato de os japoneses terem aderido ao modelo escocês de fabricação de whisky, o whisky deles é uma cópia. Nada poderia estar mais longe da verdade. Desde o início o objetivo foi o de criar um estilo japonês, que é precisamente o que aconteceu. Também se acredita amplamente que esses são whiskies tecnológicos, feitos em laboratório, desconectados da terra. Mais uma vez, uma crença totalmente equivocada.


O whisky japonês inscreve-se essencialmente na tradição do whisky escocês. As técnicas de produção são praticamente as mesmas e as destilarias japonesas importam maltes da Escócia para as misturas dos seus blends. Mas progressivamente os whiskies japoneses obtiveram a sua própria personalidade, graças à qualidade e à pureza das águas, à presença da turfa no solo de Hokkaido, à alta tecnologia utilizada e à competência humana de alto nível. Este whisky distingue-se pelo sabor limpo e maltado. Na boca é suave e tem um defumado sutil e um certo corpo. Os japoneses saboreiam o whisky juntando-lhe muita água.

O surgimento da indústria japonesa foi consequência do interesse em single malts e da pureza de sabor do whisky japonês. A arte japonesa da destilaria está voltada para a qualidade da produção. As minúcias da produção de whisky, a água, a cevada, os tipos de levedo, o mashing, a fermentação, a destilação e a maturação em diferentes carvalhos, foram investigadas a fundo pelos japoneses. Isso permite às empresas produzir ampla gama de sabores de single malt em uma só destilaria, o que afasta o single malt japonês do modelo escocês. A maior parte dos single malts japoneses produzidos hoje é de blends de malts da mesma destilaria, mas com diferentes sabores.


O whisky japonês não é necessariamente mais leve, mas possui uma clareza de aroma que o destaca. A ausência de uma nota ao fundo de cereal também o diferencia do Scotch, como também o uso do carvalho japonês intensamente aromático. Se o single malt escocês é um riacho correndo pela montanha, com todos os sabores disputando uma posição, o malte japonês é uma lagoa límpida onde tudo é revelado.

Partindo do princípio de que as terras mais apropriadas para destilados ficam em países mais frios do norte, o Japão está no lugar certo. Sua ilha mais setentrional, Hokkaido, é muitas vezes comparada com a Escócia. As paisagens de Hokkaido são muito semelhantes às das Terras Altas escocesas, com reservas de turfa, montanhas e riachos de água fria e pura que correm por rochas de granito. Mas as primeiras tentativas de fabricação de whisky frustraram os japoneses. Não importava que ervas e especiarias usassem, não conseguiam produzir os aromas e sabores autênticos.

O homem que desvendou o segredo do autêntico whisky escocês foi Masataka Taketsuro, o filho de 25 anos de uma família produtora de saquê. Ele frequentou a Universidade de Glasgow e trabalhou por um curto período na destilaria Hazelburn, em Campbeltown, e na Longmorn, em Speyside. 

Masataka Taketsuro
Masataka Taketsuro ajudou a Suntory a estabelecer sua primeira destilaria de whisky e, depois, seguiu adiante para criar sua própria destilaria: a Nikka, em Yoichi.

Tudo começa em 1907, quando Shinjiro Tori, jovem empresário de Osaka, começou a produzir um tipo de vinho. Consta que ele armazenou álcool utilizado na produção dentro de um barril de vinho – e esqueceu. Alguns anos depois, para descobrir o que era aquele líquido, ele provou e acabou percebendo os efeitos do envelhecimento na bebida.

Depois desse episódio, Tori propôs que sua empresa (agora chamada Kotobukiya) fabricasse whisky. A diretoria foi contra, alegando ser impossível fabricar whisky de verdade fora da Escócia ou Irlanda e que a construção de uma destilaria seria muito cara.

Mesmo assim, Tori pesquisou um local no Japão que reunisse as melhores condições ambientais para a fabricação do whisky. Em 1923, foi construída a destilaria Yamazaki nos arredores de Kyoto, cuja água pura foi considerada determinante para o êxito do projeto. Para completar, Tori contratou Masataka Taketsuru, especialista em whisky que estudara na Escócia.

Shinjiro Tori
 Após ser contratado por Tori, Taketsuru cuidou de toda a produção. No país, não havia uma fabrica que fabricasse o alambique. Então ele mesmo construiu. Mas, embora Tori tenha dado carta branca à Taketsuru na produção, não via resultado imediato e, gentilmente, pediu para dar uma certa acelerada, pois gastava-se muito e os produtos não ficavam prontos. Na verdade Taketsuru estava maturando a bebida.

Finalmente, em 1929, foi lançado o primeiro Whisky Japonês, o Yamazaki Shirofuda (ou White Label), um blend do malte da cidade de Yamazaki e destilado de grãos de Osaka. Porém, para os nipônicos acostumados à bebida fermentada de arroz, o novo destilado não agradava. Tori questiona se Taketsuru não havia levado muito à risca o processo de preparo na Escócia. Lembrou que ele estava no Japão e de nada adiantaria se não vendesse.


No mesmo ano, Tori resolve comprar uma fabrica de cervejas de Yokohama e ordenou Taketsuru a assumir a fábrica. Devido à distância e ter de começar a aprender uma nova bebida, não se sentiu à vontade para obedecer.

Em 1933 sem consultar ninguém, Tori vende a fábrica de cerveja por preço muito alto ao da compra, o que irrita Taketsuru por não ser consultado. A partir daí, ele começa a desconfiar das atitudes de Tori. Discutiram também sobre a área de produção dos whiskies. Taketsuru preferia produzir em Hokkaido norte do Japão, mas Tori era contra, devido ao alto custo da logística e querer que o público viesse visitar a fábrica. Além disso, possuíam uma divergência de estilos: enquanto Taketsuro preferia um estilo mais pesado, como o de um escocês turfado, Tori continuou com um estilo mais leve de whisky.

No ano seguinte, março de 1934, Taketsuru, que treinou o filho mais velho de Tori, depois de cumprir o acordo de permanência de no mínimo 10 anos, partiu do Kotobukiyá rumo à Hokkaido e fundou a Destilaria Yoichi em menção ao nome da cidade. Mais tarde mudaria o nome da empresa para Nikka que sustenta até os dias de hoje.


Durante a eterna briga dos dois, timidamente, surgiam outras destilarias como o Hombu em Kagoshima (sul do Japão), Karuizawa em Niigata, e Takara, em Fukushima.

Em 1963, Keizo Saji, filho de Tori, assumiu a presidência da Kotobukiyá e trocou o nome para Suntory, que é a soma de Sun = Sol e Tori, o sobrenome do fundador. Sun Tori = Suntory.



Em 1973, surgiram a Gotemba, criada pela Kirin/Seagram, e a Hakushu, maior destilaria de malte do mundo nos anos 80. A expansão das destilarias japonesas foi tão grande, que para garantir os suprimentos de Scotch para misturar nos blends nipônicos, a Nikka comprou a Ben Nevis na Escócia e a Takara absorveu a Tomatin, então maior destilaria de single malt da Escócia. A Suntory não ficou atrás, comprou Bowmore, Auchentoshan e Glen Garioch, na Escócia, e recentemente a Jim Beam, nos EUA.

Curiosidade: diferentemente das destilarias na Escócia, as japonesas não trocam whiskies para a confecção de seus blends. Cada uma produz uma gama de whiskies com esse fim. A maior parte da produção vai para o mercado interno, e apenas cerca de 3% são exportados para os países do pacífico.

Tive a oportunidade de participar de uma degustação de whiskies japoneses em Campinas-SP em julho passado. Tenho de admitir que eles não devem em nada a seus inspiradores, os escoceses. Ótima qualidade, bem feito, bem acabado. E as garrafas parecem uma obra de arte. Quem ainda não experimentou, experimente. O único inconveniente ainda é o preço. O Japão possui uma política severa quanto à produção de bebidas alcoólicas, os impostos são altíssimos. Some-se a isto o fato de o Japão estar “do outro lado do mundo”, os custos com transporte também são elevados. Chegando ao Brasil, adivinhem: mais impostos e o lucro do importador. Tirando fora estes detalhes, o whisky japonês está num patamar elevado. Vale a pena.




Fontes: o atlas mundial do whisky; whisky; o livro do whisky; whisky de a a y; hashitag.com.br; cladowhisky.com.br; adegadesake.com.br

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